Estava eu ruminando um texto de Freud* quando coloquei-me a acentuar mentalmente o fato de
que a regra imposta ao analista de não querer notar nada em especial, e oferecer a tudo o que se ouve a mesma "atenção flutuante" é precedida, no tal texto, por um comentário que
aponta, entendo eu, pra uma certa liberdade concedida ao analista na execução
desta regra. Lacan, no Seminário 1, diz que a formalização [por Freud] das regras técnicas é assim tratada com uma liberdade que, por si só, é um ensinamento que poderia bastar, e isto tudo remeteu-me à uma famosa passagem em que Freud compara a análise a uma partida de
xadrez, na qual apenas as aberturas e os finais são passíveis de uma
sistematização, as jogadas não. Significa que a condução de uma análise não
pode ser rigidamente pré-determinada... Deixando-me levar
por um certo deslizamento, veio-me à cabeça um significante recorrente no campo
lacaniano: estilo do analista. É que
a formação em psicanálise não se dá em série, como numa linha de produção, e não se limita ao molde universitário, logo os “produtos” de tal
formação terão cada um sua singularidade (há de se considerar e muito o fato de que, seguindo Lacan, um analista não se coloca como modelo egóico a ser apreendido pelo analisando, fator importante para uma formação não serializada, não é mesmo?). Freud, ao estabelecer a atenção
flutuante como regra, não o faz de forma a fixar as etapas que devem ser seguidas para que
tal objetivo seja atingido (assim como não engessa as etapas a serem seguidas por
um analista em sua clínica), apenas orienta que o analista abandone-se à
memória inconsciente, afinal o Eu nessas horas só atrapalha! Lê-se em Freud
a segurança de alguém que propõe-se a não selecionar o material que lhe é
apresentado, a segurança de alguém que escuta de maneira flutuante as
associações livres de seus analisandos, e sabemos, isto não é tão simples
quanto pode parecer: assim como, do lado do analisando, a crítica consciente e a resistência impõe-se o tempo todo contra a associação livre, do lado do analista, há o perigo do Eu ardilosamente querer se intrometer, e sabemos com Lacan que o analista, ao ocupar este lugar, paga com interpretações e com sua pessoa, uma vez que pela transferência ele é literalmente despossuído dela! Daí, mais uma vez (sei sei, sou
repetitiva) a importância da análise pessoal do analista, afinal como escutar o
inconsciente de alguém quando não se sabe nada sobre seu próprio? Se o Eu do
analista não está em questão (em outro lugar), como poderá ele
desmontar as certezas imaginárias do analisando e fazê-lo avançar?
*Recomendação aos médicos que exercem a psicanálise.
*Recomendação aos médicos que exercem a psicanálise.
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