E
logo na abertura do Seminário 1 Lacan dá o tom: “O mestre não ensina ex-cathedra uma ciência já pronta, dá a resposta
quando os alunos estão a ponto de encontrá-la. Essa forma de ensino é uma
recusa de todo sistema.” Penso que aqui Lacan marca não apenas a
necessidade de retorno ao pensamento de Freud, que segundo ele é perpetuamente
aberto à revisão, mas também marca um posicionamento político em relação à situação
da psicanálise naquele momento, década de 1950. Sua fala quanto ao mestre
faz-me pensar no próprio ensino por ele proposto ao longo de seus Seminários.
“Lacan é muito difícil, é incompreensível!!!!” - é o que se escuta por aí. Mas a
forma de ensino inaugurada por Lacan tem lá seus motivos, afinal a psicanálise
não é apenas uma técnica que se aplica e sim uma prática que se transmite. Tenho
a impressão de que Lacan, com todo seu barroquismo, nos convida a decifrá-lo. Não
nos dá uma resposta pronta, antes nos faz questionar o mundo e a nós mesmos. Convida-nos
a procurar um saber, não qualquer um, mas o saber inconsciente. E tenho a viva
impressão de que à medida que se caminha em uma análise, lugar privilegiado de “procura-ação”
do desejo inconsciente, o ensino de Lacan ganha cada vez mais sentido...
...
E naquele dia de estudo surgiu a
questão: a psicanálise é ou não é uma ciência? Uma questão aparentemente
inocente e que mereceria uma resposta objetiva (ao gosto da dita ciência): sim ou não. Mas quando se trata de psicanálise, nada é assim tão objetivo,
não é mesmo? Em outro lugar escrevi que a formação
psicanalítica (e a psicanálise) perturba o conforto das dicotomias da
epistemologia ocidental – teoria e prática, sujeito e objeto – pois entendo que
apesar de psicanálise e ciência tratarem do mesmo sujeito, aquele advindo da
modernidade, o lugar que este ocupa nos Discursos da Ciência e da Psicanálise
não é o mesmo. Por isso a psicanálise conFUNDE nossa cabeça ao dizer de um
sujeito que se coloca como objeto (o analista) e um objeto que é tratado como
sujeito (o analisando). É no lugar de objeto (causa de desejo) que o
psicanalista (a psicanálise) instiga aquele ali deitado no divã a perSEGUIR seu
desejo; coloca o sujeito do inconsciente em ação, capturando-o na linguagem,
nos significantes, para que a consciência dele se dê conta. É por isso que o
psicanalista não dá respostas prontas, mas permite ao sujeito caçá-las por sua
própria conta e risco. É o posicionamento do psicanalista em sua prática que permite
ao sujeito buscar, reconhecer e responsabilizar-se por seu desejo. A práxis psicanalítica é transmitida no um a um, como nos ensina Lacan, e permite-nos,
após ler complicadas palavras “significantes”, ainda que não se entenda tudo ou
que se entenda muito pouco, ao invés de desistir, ter um delicioso desejo (por
vezes amalgamado em angústia) de saber mais! Quanto à questão da psicanálise
ser ciência ou não, a indicação de texto que Maria Luiza fez (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932005000100006&script=sci_arttext&fb_source=message)
é um ótimo aperitivo e, para os mais ousados, o texto de Lacan “A ciência e a verdade”
esclarecedor.